quinta-feira, 10 de setembro de 2015

O 'faz-tudo' do passado está mais para técnico de futuro

Para competir no Brasil e representar os Estados Unidos, o americano Andrew Cardin, 22 anos, largou o emprego para dedicar-se a uma pesada rotina de treinos. Durante um ano e meio, manteve uma média de oito a dez horas diárias de exercícios que repetia em série no porão de sua casa, em Massachussetts (EUA).

Além do esforço físico, a preparação envolvia diariamente questionários e relatórios que Cardin precisava responder e enviar ao seu treinador, responsável por definir as melhores estratégias para a competição.

Antes de conquistar a tão sonhada vaga no torneio mundial, Cardin precisou passar por uma série de seletivas até ser considerado apto a representar o país em sua categoria. Em uma das etapas, em Huntsville, no Alabama, ficou insatisfeito com seu desempenho e chegou a pensar que não seria selecionado. O desânimo aumentou quando uma tempestade bloqueou as ruas da cidade com camadas de 30 cm de neve, o que quase o impediu de chegar ao jantar da premiação e conhecer sua colocação no ranking. "Eu soube naquele momento que, se Deus me quisesse em São Paulo em agosto, eu conseguiria chegar lá", lembra Cardin.

A determinação e disciplina atléticas do jovem americano foram colocadas à prova durante a 43ª edição da WorldSkills, maior competição de educação profissional do mundo, que aconteceu no mês passado no Sambódromo do Anhembi. Cardin é soldador e, como outros 1.200 competidores de 63 países, veio disputar o título de melhor profissional técnico do mundo em sua atividade.

O jovem Luís Carlos Sanches Machado Júnior, 20 anos, aluno formado pelo Senai, se sentiu recompensado pelas mais de 12 horas diárias de treino. "Faz quatro anos que eu estou em treinamento. É muito puxado, de manhã cedo até tarde da noite", diz o mecânico, o primeiro brasileiro a receber o Prêmio Albert Vidal na WorldSkills, dedicado ao concorrente que atinge a pontuação mais alta entre os competidores de todas as categorias. "Eu não sei nem o que está acontecendo. É uma sensação muito boa", diz Machado, um dos 56 componentes da seleção brasileira da WorldSkills. Mesmo para quem não se saiu tão bem como Machado, a competição rende frutos; é oportunidade de qualificação profissional intensiva e personalizada e, em alguns casos, a chance de o profissional ganhar uma bolsa universitária e, quem sabe, continuar a treinar novos talentos "olímpicos" no Senai para as próximas WorldSkills.

Durante os quatro dias de competição, Machado enfrentou provas de seis horas em que ele precisava diagnosticar falhas e medir a potência de um motor. "Tenho muitos amigos que fazem faculdade e pensam que é melhor ir logo para um curso superior. Mas a gente que passa pelo curso técnico, principalmente aqui na olimpíada, está muito mais preparado para a universidade", diz o técnico de Bauru. Ele já tem várias ofertas de emprego (pode ganhar entre R$ 3 mil e R$ 3,5 mil) e pretende cursar engenharia mecânica em 2016.

Para vencer na sua categoria, Machado teve que superar o mecânico Fabian Britt, 22 anos, do Principado de Liechtenstein. Apesar da concentração máxima que demonstrou durante as provas, Britt foi um dos últimos a cumpri-las no último dia e deixou o Sambódromo visivelmente desapontado. "Não estou bem", desabafou.

O americano Cardin, por sua vez, se mostrava confiante sobre o futuro. A soldagem tem demanda aquecida e escassez de profissionais qualificados no mundo, segundo ele. "Meu plano é tentar capitalizar isso em todas as oportunidades enquanto sou jovem para viajar o mundo", disse. Ele sonha trabalhar em plataformas de petróleo, armazenamento de gás natural e até em usinas nucleares.

Seu treinador, Ray Connolly, vê com bons olhos o interesse do aluno. "Não estamos repondo a força de trabalho com o mesmo ritmo em que estamos perdendo trabalhadores que se aposentam", diz Connolly, que defende o trabalho de soldador como uma ótima opção de carreira, com salários que podem ir de US$ 35 mil a US$ 45 mil por ano nos Estados Unidos", diz o treinador.

"Muitos jovens veem a soldagem como um trabalho quente e sujo e pode ser mesmo. Mas se você for para áreas como a aeroespacial, você pode soldar em temperaturas controladas, vestindo bermuda e camiseta e não se sujar o dia todo", diz Connolly, que afirma que o sucesso recente de programas de TV nos EUA sobre reformadores de automóveis tem ajudado a despertar o interesse pela profissão. "Eles veem os caras moldando e soldando carros na TV e se perguntam: como posso trabalhar com isso?".

Ficou no passado, segundo os educadores, a imagem que associava os ofícios de pedreiro, carpinteiro ou marceneiro a opções para trabalhadores "faz-tudo" que não estudaram. "Hoje, um bom carpinteiro precisa saber matemática, geometria e trigonometria", diz Riverson Tobias do Vale, professor de marcenaria do Senai em São José dos Pinhais (PR).

"No Brasil o jovem se preocupa muito em ter um status, em ter uma profissão sem poeira. Mas quem tem habilidade técnica nunca vai ficar desempregado", diz o professor, que afirma que esses ofícios são muito mais valorizados no exterior. "O status é muito diferente", explica Tobias, que diz que o salário inicial de um jovem recém-formado em carpintaria ou marcenaria é, em média, de R$ 1.500, podendo chegar a R$ 4 mil ou R$ 5 mil com anos de experiência.

Na Europa, a carência de trabalhadores na construção civil preocupa o "expert" em construção, Werner Luther. "Em dez anos teremos um grande problema. Não teremos pessoas que fazem coisas, como pontes ou pão, e teremos apenas bacharéis", diz Luther.

Tanta escassez se reflete nos salários. Na Suécia, um pedreiro com curso técnico de três anos pode ganhar R$ 60 por hora, ou mais de R$ 9 mil por mês na construção de túneis e pontes, segundo o construtor sueco Wahik Alexan, que trabalha no ramo há três décadas.

Não foi o dinheiro, no entanto, que levou o jovem suíço Mike Brunner, 20 anos a se tornar um aplicador de azulejos. "O artesanato é muito criativo e permite criar algo com as próprias mãos", diz ele, que trouxe à competição a torcida dos pais e do chefe, que assistiram a prova em que Brunner criava um mosaico em forma de Cristo Redentor. "É um trabalho muito gratificante", disse.

FONTE: Força Sindical

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