Entenda
o que é essa nova categoria de serviço e como será aplicada no dia a dia das empresas
A reforma
trabalhista sancionada pelo presidente Michel Temer no dia 13 de julho cria
uma categoria de serviço que até então inexistia nas leis de trabalho: a do contrato intermitente. Agora, empresas
podem contratar um funcionário para trabalhar esporadicamente e pagá-lo apenas
pelo período em que prestou seus serviços. Esse é um dos diversos pontos em que as leis trabalhistas serão
alteradas. A mudança, assim como todas as outras previstas na
reforma, começará a valer a partir do momento em que entrar em vigor, no mês de
novembro (120 dias após sua sanção).
Antes, a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não regulamentava
o trabalho intermitente. O
contrato com o menor número de horas era o parcial, que tinha 25 horas semanais
(substituídas por 30 horas semanais, com a reforma trabalhista). O contrato
intermitente, por sua vez, não define uma carga horária mínima de horárias
trabalhadas. Na prática, o funcionário poderia até ser contratado para prestar
duas horas de serviço por semana — ou por mês. Os limites máximos de jornada
garantidos pela Constituição são mantidos, no entanto: 44 horas semanais e 220
horas mensais.
“O trabalho
intermitente não tinha previsão no nosso ordenamento jurídico — na CLT ou em
qualquer outra lei. É uma criação nova”, diz Osvaldo Kusano, sócio do
escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia. “Continua sendo um contrato de
trabalho. Ele ainda tem os benefícios da Previdência, o FGTS… A única questão é
que isso flexibiliza os períodos de prestação de serviço tanto para o
empregado, quanto para o empregador."
Funciona assim: o empregador (empresa) faz um contrato com um
funcionário que fica à sua disposição até ser “convocado” para o trabalho.
Quando precisar dele, a companhia tem de avisá-lo com pelo menos três dias de
antecedência. O profissional, então, presta serviços à empresa pelo tempo
combinado, seja qual for esse período — três horas, duas semanas, cincos meses,
não importa.
“Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no
qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com
alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados
em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e
do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria”, diz
o texto da reforma trabalhista.
A “convocação” do trabalhador deve acontecer “por qualquer
meio de comunicação eficaz” (telefone, WhatsApp até Messenger, desde que a
pessoa faça uso desses meios). Recebida a convocação, o empregado terá o prazo
de um dia útil para responder ao chamado. Não respondeu? Ficará presumida a
recusa da oferta. Tal recusa, vale destacar, não caracteriza insubordinação. O
texto da reforma não deixa explícito, contudo, o número de vezes que o
empregado pode recusar ofertas. Ainda de acordo com o texto da reforma, quando
aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que descumprir
deverá pagar à outra uma multa de 50% da remuneração no prazo de 30 dias.
O contrato de trabalho intermitente deve ser feito por
escrito e conter especificamente o valor da hora de trabalho. Essa quantia não
pode ser inferior ao “valor horário” do salário mínimo nem inferior ao salário
dos demais empregados daquela empresa que exerçam a mesma função — em contrato
intermitente ou não. A remuneração por hora será sempre a mesma em todas as
convocações. Não pode mudar de serviço para serviço, por exemplo. Enquanto
aguarda por mais trabalho, o funcionário não recebe nada. Mas fica livre para
prestar serviços a outros contratantes.
Depois de completar aquele serviço, o funcionário tem de
obrigatoriamente receber por aquele período imediamente em seguida. O valor
deverá incluir remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional,
repouso semanal remunerado (o domingo ou dia de folga da categoria) e
adicionais legais (como hora extra, se for o caso). O dinheiro
referente ao FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço) é depositado na conta do funcionário na Caixa
Econômica Federal, como acontece com um trabalhador regular em
contrato CLT. O recibo de pagamento deverá conter a discriminação de cada um
desses valores, para que o trabalhador saiba o que está recebendo.
Também entre os direitos do contratado estão férias de 30
dias. Mas como o funcionário sempre recebe as férias em dinheiro depois do
trabalho, o benefício aqui fica sendo apenas um mês sem trabalhar. “A cada doze
meses, o empregado adquire direito a usufruir, nos doze meses subsequentes, um
mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços
pelo mesmo empregador”, diz o texto da reforma trabalhista.
Agora, você pode estar se perguntando: se a empresa só
precisará do trabalhador esporadicamente, por que iria contratá-lo — tendo de
pagar todos os direitos exigidos pela CLT —, se poderia simplesmente conseguir
um autônomo ou pessoa jurídica? A chave está no principal elemento que
caracteriza o vínculo empregatício: a subordinação. Ou seja, o funcionário ter
de obedecer ordens e ter todo o processo do seu trabalho supervisionado. No
caso do autônomo, o profissional atua com total independência — sem pitacos. O
que importa é a entrega dos resultados.
“A subordinação é um elemento imprescindível da relação de
emprego, como aparece no artigo 3º da CLT”, afirma Antônio Silva Neto, assessor
jurídico do deputado federal Rogério Marinho (PSDB-RN), relator da reforma
trabalhista na Câmara. “Se você for averiguar tanto na doutrina trabalhista
quanto na jurisprudência do próprio TST [Tribunal Superior do Trabalho], a
subordinação é um dos elementos mais importantes.”
A mudança, no entanto, está longe de ser unanimidade. José
Eymard Loguercio, sócio da LBS Advogados e assessor jurídico da CUT Nacional,
defende que a nova categoria pode ser “perversa” ao trabalhador. “Você pode ser
contratado e ficar à mercê da empresa para saber o dia e a quantidade de horas
que você vai trabalhar durante o mês. Não é um contrato com prazo determinado.
É totalmente indeterminado”, afirma. “O empregador pode dispor de uma mão de
obra muito barata, apenas quando ele precisa. Na prática, o trabalhador vai
precisar de mais de um contrato para conseguir sobreviver. (...) É uma
tentativa de legalizar em larga escala o bico, o trabalho mais precarizado.”
O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, também
critica a mudança: “É absolutamente absurdo. Estão querendo trazer uma ideia
vetada em muitos países desenvolvidos. E aqui, no Brasil, isso é vendido como
modernidade”.
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